A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) não tem uma política de ortografia e, por enquanto, não assumirá uma posição em relação ao Acordo Ortográfico. Há quem seja a favor e quem seja contra, mas a reitoria diz que o assunto ainda não foi discutido.
“A Faculdade de Letras de Lisboa não tem uma política de ortografia, não tomou posição política sobre a questão do acordo. Neste momento nem impede, nem se opõe a que qualquer pessoa na faculdade, seja docente, não docente ou aluno escreva com a grafia que entender”, disse ao PÚBLICO o director da Faculdade de Letras, António Feijó.
A afirmação é feita depois de as rádios Media Capital terem noticiado que esta faculdade estaria a admitir não implementar o acordo, no seguimento da decisão de Vasco Graça Moura de ordenar no Centro Cultural de Belém que fossem desinstalados de todos os computadores os conversores ortográficos que adaptam os textos escritos na ortografia anterior às normas do acordo.
O site da Faculdade de Letras de Lisboa está com a grafia antiga, como sempre esteve e não será alterado. “Se alterássemos estaríamos a ter uma posição política de ortografia e por isso vamos mantê-lo”, diz Feijó, alertando que, em termos de imperativos legais, o acordo não está completamente em vigor. “Eventualmente, a faculdade poderá vir a ter que tomar uma decisão, mas eu não antecipo quando será”.
Embora, pessoalmente, o académico António Feijó pense que a decisão da sua faculdade “está certa” ao não ter uma política de ortografia, não deixa de ter “toda a simpatia por aquilo que fez Vasco Graça Moura”.
Mesmo que a FLUL tivesse tomado uma posição, a instituição não é independente da Universidade de Lisboa (UL), e por isso precisaria sempre da autorização superior da reitoria.
Ao PÚBLICO, o vice-reitor da Universidade de Lisboa, Vasconcelos Tavares, explicou que a aplicação ou não do acordo ortográfico ainda não foi discutida. “A UL está a cumprir o que foi determinado. Estamos a seguir o acordo nos documentos oficiais, tal como disseram que teria de ser feito a partir de Janeiro”, afirmou Vasconcelos Tavares, lembrando que a data prevista da aplicação generalizada do acordo é 2014 e por isso “falta ainda bastante tempo”. “É evidente que a Universidade de Lisboa tem um papel primordial, mas neste momento não temos uma posição. É um problema que terá de ser debatido, mas também não há pressão nenhuma”.
Na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) o acordo ortográfico está a ser aplicado desde o início deste ano lectivo, por decisão da reitoria, que solicitou a todas as faculdades dependentes de si que o adoptassem. No entanto, para Rosa Maria Martelo, professora associada da FLUP, a aplicação desta medida levanta alguns problemas, uma vez que, na sua opinião, o acordo “não é bem realizado”.
“É razoável que se faça uma reflexão. Quer as pessoas que são contra ou a favor têm consciência de que o acordo tem problemas e houve uma precipitação na homologação da lei”, disse ao PÚBLICO a doutorada em Literatura Portuguesa, explicando que “o acordo é extremamente problemático para Portugal e para a ortografia portuguesa, sobretudo tendo em conta as características da língua como falamos na Europa”.
Por seu lado, José Esteves Rei, professor do Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e que esteve envolvido na primeira versão da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEB), apela ao bom senso, defendendo que a aplicação do acordo visa a padronização da língua e a aproximação das comunidades de língua portuguesa.
“A língua portuguesa não é uma língua morta, pelo contrário, está sempre em evolução. Tem de se adaptar e procurar novas linhas”, disse o professor, explicando que na UTAD o acordo já foi adoptado em 2011 e não gerou qualquer problema. “É um esforço que se pede a todos. Quando há muito tempo, por exemplo, a palavra ‘pharmacia’ evoluiu para farmácia, foi exigido um esforço de compreensão que não imaginamos. Se calhar daqui a 20 anos já estamos a rever novamente o acordo”, considera.
António Emiliano, linguista, professor da Universidade Nova de Lisboa que estudou na Faculdade de Letras e é autor de “Apologia do Desacordo Ortográfico: Textos de Intervenção em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico de 1990” (Verbo/Babel) reafirma ao PÚBLICO que o Acordo Ortográfico “não está em vigor porque ainda não está ratificado por todos os signatários”. A lei que está em vigor é a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945.Pessoalmente, António Emiliano, acha que as universidades idealmente não deveriam ter de se pronunciar sobre reformas ortográficas em termos de aplicação ou de não aplicação. Na Universidade Nova de Lisboa, onde trabalha, não conhece nenhuma posição nem contra nem a favor. Considera que as decisões das universidades do Porto e de Trás-os-Montes são “condenáveis” do ponto de vista académico.
Por sua vez, o professor Malaca Casteleiro, jubilado da Faculdade de Letras de Lisboa, não vê razões para a faculdade não adoptar o novo acordo ortográfico quando ele já está em vigor nas instituições públicas e foi adoptado nas instituições de ensino. Lembra que 1986 houve uma certa oposição de alguns membros da área linguística daquela faculdade, mas, por outro lado, também houve um grande apoio. “Até porque da Faculdade de Letras fizeram parte da comissão que se ocupou do acordo ortográfico, eu próprio, o professor Lindley Cintra, a professora Maria de Lourdes Belchior e Fernando Cristóvão.”
Na sua opinião, esta é uma questão política. “O Estado português, como Estado que é, tem de assumir as suas posições, independente das mudanças de Governo”.
Fonte: Público