domingo, 19 de dezembro de 2010

Uma editora que nos faz ler através dos ouvidos

É entre as estantes de livros, em casa de Oriana Alves, que fica o estúdio improvisado onde são gravados os audiolivros da Boca. O espaço não podia ser mais apropriado. Um banco, um microfone e uns auscultadores, num pequeno recanto entre poesia e ficção e uma panóplia de instrumentos musicais - está ali tudo o que é preciso para transformar livros em histórias para ouvir. No catálogo da editora Boca já se podem encontrar clássicos como O Tesouro, de Eça de Queiroz, ou A Carta da Corcunda para o Serralheiro, de Fernando Pessoa, textos contemporâneas como as Memórias de Um Craque, de Fernando Assis Pacheco, histórias politicamente incorrectas como as que conta Thomas Bakk e agora também uma antologia de contos tradicionais alentejanos, acabadinha de chegar às lojas.
A Boca - Palavras que alimentam nasceu há cerca de quatro anos do sonho de um grupo de amigos que queriam editar livros. Entretanto, os amigos partiram para outras aventuras e Oriana continuou o projecto. Os audiolivros juntam num só objecto duas das suas grandes paixões - a literatura e o som (ou a rádio): "É algo que está em desuso e que, de alguma forma estamos a recuperar: alguém a ler para nós ou a contar-nos uma história."
"Também fui percebendo o potencial que havia neste produto, que é um nicho de mercado ainda pouco explorado", explica. De experiência em experiência, Oriana foi descobrindo exactamente aquilo que queria fazer na sua editora: "Para mim os objectos são muito importantes", diz. Não lhe bastava apenas ter um disco com alguém a ler bem (e com vozes como as de Fernando Alves ou Maria do Céu Guerra), depressa percebeu a importância de uma excelente sonoplastia, acrescentando música e sons às suas histórias (as primeiras edições foram da responsabilidade de António J. Martins e Amélia Muge, agora é Nuno Mourão que assegura a música e os arranjos). Além disso, queria que, sempre que possível, o texto estivesse presente também em suporte físico e a tudo isto acrescenta um cuidado especial no design dos livros, desafiando ainda ilustradores como Nuno Saraiva ou António Salvador Carvalho.
O melhor exemplo de tudo isto é a última edição - Anda cá que eu já te conto, que é o segundo título da colecção Hot - Histórias Oralmente Transmissíveis. Este não é um audiolivro, é um videolivro que surgiu em colaboração com o projecto Memoriamedia, de José Barbieri. "A nossa ideia era fazer uma recolha de contos tradicionais portugueses, mas o repertório é tão vasto que nos ficámos pelo Baixo Alentejo", explica Oriana. Mas as outras regiões não estão esquecidas, estão apenas à espera de uma oportunidade.
Com edições de mil exemplares à venda das lojas Fnac e em livrarias seleccionadas, Oriana Alves tem muitos projectos para a Boca. Editar livros para crianças, os clássicos portugueses, apostar na poesia, continuar a recolha da tradição oral, fazer teatro radiofónico ou até ter uma rádio online. Investir mais na venda de ficheiros digitais, através do site www.boca.pt.
E como diria o contador Luís Carmelo: "E, bem ou mal contado, o meu conto está terminado."